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terça-feira, 16 de novembro de 2010

Consumo de álcool na adolescência eleva risco de dependência

Menores de 13 anos que bebem têm 50% de chance de se tornarem alcoólatras no futuro

Apesar do foco pontual, o levantamento inédito sobre o consumo de drogas entre estudantes de escolas privadas paulistanas, divulgado na segunda-feira (7) pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), segundo especialistas, traduz uma realidade nacional e muito mais abrangente: o álcool é, sim, a porta de entrada para as drogas entre jovens de todo Brasil.

Sérgio de Paula Ramos, psiquiatra e psicanalista da unidade de dependência química do hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, e coordenador do departamento de dependência química da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, revela que, quanto mais cedo se dá a iniciação no álcool, maiores são as chances de alcoolismo na fase adulta. Segundo ele, menores de 13 anos que consomem bebidas alcoólicas têm 50% de chance de se tornarem alcoólatras no futuro.

Para o especialista, a realidade de Porto Alegre é semelhante à apresentada pela capital paulista. “Não é de hoje que o álcool é a droga do jovem, independentemente da classe social. Em Porto Alegre, há 20 anos, os dados eram mais agressivos nas escolas privadas e a justificativa era o custo da bebida”, explica. “Hoje sabemos que os mesmos índices estão presentes em escolas públicas. A experimentação do álcool pelos jovens independe de condição socioeconômica.”

Na visão do psicanalista, nenhuma droga ilícita tem um impacto mais negativo que o álcool nos jovens. “A gravidade do consumo de crack em adolescentes é muito menor que a de álcool. Não faz nem cócegas. É uma epidemia generalizada. Nunca tratei um dependente de crack cuja primeira droga não tenha sido o álcool”.

Nos colégios

Desde 1994, Cesar Pazinatto, coordenador do Ensino Fundamental, orienta um programa de promoção de saúde e prevenção de drogas e álcool para alunos de quinta à oitava série, no colégio particular paulistano Santo Américo. Os adolescentes analisam as técnicas utilizadas nas propagandas de bebida alcoólica e debatem durante as aulas. “Nós discutimos sobre a pesquisa da Unifesp na manhã de hoje. Sem dúvidas, o álcool desencadeia não só outras drogas, mas também sexo desprotegido e violência. A ideia é apresentar os riscos e dialogar abertamente sobre o tema”, declara.

Carolina Daumas, 17, é estudante do colégio paulistano Madre Paula Montalt e também discutiu hoje as estatísticas do estudo na aula de sociologia. Apesar da oportunidade de conversar abertamente sobre o assunto, ela admite que seus colegas não estão dispostos a abdicar do hábito. “Quando o professor perguntou quantos alunos nunca haviam experimentado álcool ou cigarro, ninguém levantou a mão”, conta. “Meus amigos não fumam, mas conseguem beber meia garrafa de vodca. Isso afeta o aprendizado. No dia seguinte, eles dormem durante toda a aula”, completa.

Não é o caso de Lara Passos, que nunca experimentou álcool, nem tabaco. A adolescente de 14 anos estuda no primeiro ano do colégio Paulo de Tarso e julga errado o consumo precoce. “Meus pais não me deixam sair à noite. Apesar de alguns amigos beberem com certa frequência, fumarem cigarro e até maconha, eu não tenho interesse nenhum em experimentar”, confessa. Ela tem um colega de classe como exemplo a não ser seguido. “Ele repetiu o ano duas vezes e já foi expulso de outras instituições por fumar em locais proibidos e brigar com outros alunos. Ele fuma, bebe e costuma levar narguile em festas para oferecer aos outros.”

Mudança de valores

Algumas mudanças de valores, ocorridas nos últimos 40 anos, também podem justificar a relação direta entre o jovem e o álcool. Para Sérgio da Costa Ramos, existe um processo de deterioração da figura paterna. “A flexibilização na educação gerou uma presença nada funcional dos pais. Eles se tornaram reféns dos filhos, precisam conquistá-los, ter o voto. O adolescente não pode ser contrariado.”

A pesquisa da Unifesp aponta, de alguma forma, essa mudança de paradigma apresentada pelo especialista. Segundo os dados, o primeiro consumo de álcool ocorreu em casa para a maior parte dos entrevistados: 46%.

Para Ana Cecília Marques, psiquiatra e pesquisadora do Instituto Nacional de Política Sobre Drogas (INPAD) e coordenadora do Departamento de Dependências da Associação brasileira de psiquiatria (ABP), a falta de modelos paternos é apenas parte das justificativas. Na avaliação da especialista, os pais precisam aprender a proteger seus filhos.

“Pai e mãe são os modelos mais importantes. Os jovens criam referencias em personagens, celebridades, professores que admiram, mas o alicerce ainda é dentro de casa. Se o jovem aprende com modelos e falta de regra no ambiente familiar, os danos são catastróficos.”

A educação familiar blinda, mas não é a única forma de contornar o problema. Ana Cecília explica que é preciso analisar o impacto das drogas nos jovens como um fenômeno múltiplo. Fatores associados justificam o uso precoce. A médica comenta que em 2007, um mapeamento nacional feito pelo Unicef já mostrava abuso de álcool em 16% dos adolescentes. “É um padrão do jovem brasileiro abusar da bebida alcoólica em faixas muito altas.”

A falta de políticas públicas sobre drogas focadas na criança e no adolescente colaboram para que os índices sejam crescentes. “É preciso fazer e direcionar estratégias tanto preventivas quanto assistenciais de cuidados na adolescência. Ignoramos os problemas da juventude e tratamos a droga como um problema de adulto.”

Para a psiquiatra, a lei dá cobertura e protege das drogas no papel, mas não há mecanismos que a faça ser cumprida. “A lei é ótima, mas não funciona, não temos fiscalização. Hoje, 70% dos menores de 18 anos conseguem comprar bebida e cigarro em qualquer mercado do País.”

A lógica mercantil, na visão de Ana Cecília seduz o jovem e favorece o consumo. As propagandas de cerveja oferecem um mundo ideal, um patrão de comportamento ao qual o adolescente é constantemente submetido e facilmente influenciado. “Coibir a publicidade de bebida alcoólica não é alternativa, é dever público. Desconsideramos que esse grupo esta submetido à cerveja como se fosse junk food e isso é crime”.

Outra forma de coibir esse consumo abusivo seria a taxação da bebida. Ana Cecília defende a elevação de preços desses produtos. “É fundamental que ocorra uma mudança no preço das bebidas. Uma latinha de cerveja custa mais barato que o litro de leite.”

Atendimento médico

O mapeamento feito pela Unifesp é um dos poucos a colocar o adolescente como foco do consumo de drogas. A falta de dados é, em grande parte, provocada pela ineficácia do sistema de saúde, que não possui um atendimento voltado a esse público. Ana Cecília revela que não há como medir o número de adolescentes internados, ou a quantidade de jovens que dão entrada nos postos de saúde em coma alcoólico.

Na avaliação da especialista, é preciso que o atendimento seja focado, que os jovens passem por uma triagem especifica, sejam sempre indagados sobre o consumo de drogas. Segundo a médica, 8% das doenças na idade adulta são provocadas pelo consumo abusivo de bebidas alcoólicas. “A dependência química, embora varie conforme o individuo, leva, em média, cinco anos para ser diagnosticada. Isso pode ser coibido de inúmeras formas, mas falta esforço e coerência.”

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/consumo+de+alcool+na+adolescencia+eleva+risco+de+dependencia/n1237656545824.html

Postado por: Ananda Janotti

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